Hermeto Pascoal & Grupo
06-22-2011
Lona Cultural Hermeto Pascoal
Rio de Janeiro
Brazil
Hemeto's 75th birthday party gig
Featuring Hamilton de Hollanda, Gabriel Grossi and Itiberê Zwarg & Grupo
OADE BROS. Binaural mics > Zoom H4n > WAV 44.1 kHz, 16-bits > Audacity > split, normalize some spots > TLH > FLAC
Setlist:
01 - Entrando pelos canos
02 - Quiabo
03 - Fazenda Nova
04 - Brasileirinho tease > Trezão [word play on "Big 13 (treze grande)" - the music's - tempo and the Portuguese word for "horny" - "Tezão", or "Big T"]
05 - Fabio's percussion solo
06 - Aylin
07 - Hermeto plays the audience
08 - Celso
09 - Pump solo and door frustration incident...
10 - Irmãos Latinos
11 - Viajando pelo Brasil (featuring Hamilton de Hollanda on mandolin)
12 - Viva o Rio de Janeiro (featuring Hamilton de Hollanda on mandolin and Gabriel Grossi on harmonica)
13 - Jegue
14 - Viva a lona
15 - Hermeto's anniversary song [harmonic and lyric improv...]
16 - Itiberê Zwarg & Grupo - Unknown song
17 - Itiberê Zwarg & Grupo - Todos juntos, pindaíba [Hermeto composition]
18 - Hermeto speaks
19 - Poré-poré
20 - Audience sing along > false start > Hermeto's father 8-bass accordion story
21 - Forrozão no oito-baixos
22 - Forró da gota
23 - Audience sing along and goodbye
Encore
24 - Depois do baile
25 - Marcio and Ajurinã percussion and drum duet > Happy birthday Hermeto [Parabéns pra você]!
26 - Closing improvising with the audience
O Grupo:
Hermeto Pascoal: Yamaha DX7 Keyboard, Vocals, Bass Flute, 8-bass Accordion, Percussion, Melodica, air pump
Itiberê Zwarg: Bass, Vocals, Pipes
Márcio Bahia: Drums, Percussion
Fábio Pascoal: Percussion
Vinicius Dorim: Saxes, Flutes, Pipes
André Marques: Piano, Percussion
Ajurinã Zwarg: Drums, Percussion
Aline Morena: Vocals, Guitar, Body Percussion
Featuring:
Hamilton de Hollanda: Mandolin
Gabriel Grossi: Harmonica
Itiberê Zwarg & Grupo
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Rio de Janeiro, Brasil, O GLobo paper review for the event [Published the 24th of June, 2011, in Portuguese language]:
No show de seus 75 anos, Hermeto Pascoal se irrita com público e leva
bolo de Senise e Peranzzetta
Arnaldo Bloch (arnaldo@oglobo.com.br
RIO — "A cidade está no homem/ quase como a árvore voa/ no pássaro que
a deixa.” Os versos de Ferreira Gullar, extraídos do “Poema sujo”,
estavam involuntariamente implícitos nas palavras de Hermeto Pascoal
no camarim da Lona Municipal de Bangu (que leva seu nome), onde não
pisava havia sete anos. Desde que, desencantado com a violência do
bairro onde morou por quatro décadas, trocou o mítico casarão
familiar-musical em Jabour (localidade banguense outrora bucólica) por
um pequeno apartamento em Curitiba, onde vive hoje com a segunda
mulher, a jovem cantora Aline Morena, morena que o acalentou.
— Quando a gente sai de um lugar, continua lá espiritualmente.
Vendemos a casa, e dividi o dinheiro com a família. Mas a música que
se fez lá, a essência, não se vende nem se compra. É eterna e vem de
todas as galáxias, de todos os mundos. A música que está na casa
continua em nós, em Bangu, em Senador Camará, no Japão. Bangu é o
mundo. Eu nunca vou sentir falta porque eu nunca deixo o espaço. O
espaço vai junto com a alma onde quer que a gente esteja — prometeu o
albino alagoano de Olho d’Água, barbas brancas, camisão
geometricamente estampado, rabo de cavalo e chapéu panamá antes de
entrar no palco.
Arquibancada e pista estavam lotadas por umas quinhentas e tantas
pessoas na noite de anteontem para o concerto de aniversário
organizado pelo percussionista Fábio Pascoal, filho de Hermeto.
Formado mais por aficionados da música do gigante de Jabour, jovens
discípulos, família e algum povo de Bangu (a Zona Sul simplesmente não
deu as caras), o público do homem que tocou com Miles Davis e é
aclamado no mundo inteiro contava nos dedos músicos consagrados: só o
saxofonista Mauro Senise, o pianista e arranjador Gilson Peranzzetta
e, da nova geração, o bandolinista Hamilton de Holanda foram
prestigiá-lo. Promessas de participações especiais, Toninho Horta,
Joyce e Guinga não foram vistos nas imediações. Dos três presentes,
Senise e Peranzzetta deram o bolo (no mau sentido), o que não seria
tão grave se Hermeto tivesse sido avisado. Brutal constrangimento para
o aniversariante, que ficou quase dez minutos chamando os dois depois
de apresentá-los como “um dos maiores pianistas do mundo” e “um
saxofonista que toca até de cabeça para baixo”. Quando alguém na banda
gritou para Hermeto que eles haviam saído, o Campeão, como é chamado,
apoiou-se no sarcasmo:
— Eles devem ter ido assistir ao jogo do Santos. E a gente aqui vai
fazer música — despistou, e saiu a tocar. Foi surpreendido por
Hamilton de Holanda, único que honrou o compromisso num solo heroico
de bandolim em meio a harmonias de outro mundo.
Hermeto, entre um copo de vinho e outro brindado com a audiência,
esteve irritado boa parte do show, que começou duas horas atrasado,
perto das 22h, com um incrível quarteto de canos afinados, empunhados
pelos músicos no centro da pista. O clima de festa dividiu o público
entre a lona e a parte externa, onde o pessoal conversava a altos
brados. Hermeto até tentou pedir silêncio na base de tiradas de humor
ou chamando a atenção para a oportunidade que se tinha, ali, de ouvir
música de alta qualidade, mas, ao perceber que era inútil, perdeu as
estribeiras, arrancando urros dos fiéis:
— Eu dou porrada em vocês, seus filhos da puta. Não sou contra pagode,
mas esse pessoal aí só sabe escutar isso.
Até que ponto o público era culpado? — eis a questão. As portas da
lona ficaram abertas, e o bar funcionando, com cerveja, caldo de aipim
com carne seca, salgados e batatas fritas quentinhas, num show de
quatro horas. A virtuosa banda que acompanha Hermeto, liderada pelo
veterano baixista Itiberê Zwarg, vem construindo um padrão em que
todos os temas são acompanhados pela voz afinada, culta, mas
estridente de Aline, ao passo que Hermeto, aos 75 anos, por força da
idade ou por opção, limita-se hoje a ser um mestre de cerimônias que,
além do piano elétrico-base, dá uns requebros de corpo ou, em melhores
momentos, puxa do público coros afinados para suas harmonas lindamente
tortas (emocionando-se com a musicalidade geral da nação). Um recurso
que, contudo, usa em excesso e que hoje praticamente substitui suas
performances geniais de flauta, clarineta (na bacia...), escaleta,
sanfona de oito baixos etc. Na única vez em que empunhou a
flauta-baixo para o clássico número do “Brasileirinho” com a voz
dobrada, tocou só um compasso, e quando tentou tirar som de uma bomba
de encher balões (coisa que fazia magicamente anos atrás) a gritaria
lá fora o fez desistir.
Não que a banda Mestre dos Sons, formada também por Márcio Bahia
(bateria), Vinícius Dorim (saxes e flautas) e o espetacular André
Marques (piano) não seja digna de interesse: ao contrário, a formação
correu o mundo em 2010, encantando os públicos de Tóquio e Nova York,
em turnês que incluíram Colômbia e Israel. Os músicos jovens da
orquestra de Itiberê — meninas e rapazes formados no idioma de Hermeto
sob regime rigoroso — são um exemplo de prodígio e sobrevivência
musical.
Mas não passa despercebida a frustração do público, mesmo o fiel, que
ficou até o fim, ao ver Hermeto assim contido naquilo que fez dele
talvez o maior instrumentista vivo do mundo: seus solos, sua criação
ao vivo, seus “passes” musicais, seus arroubos longos de piano. A
última vez em que Hermeto pôde ser generoso com o instrumental de sua
cozinha (citando Guinga e Aldir Blanc) e o público foi numa histórica
apresentação, em 1999, no Espaço Sesc, em Copacabana, lançando o disco
“Eu e eles”, que, como diz o nome, trazia o Bruxo a sós com seus
multi-instrumentos. É importante lembrar de momentos assim (ou dos
shows no Circo Voador), ou de experiências audiovisuais como a
“Sinfonia do Alto Ribeira”, de seus Hammonds com gotas de caverna, dos
batuques em água de Rio. É uma forma de prestar homenagem ao
aniversariante trazendo de volta os maiores atributos do mito que
formou o espírito de toda uma nova geração, mas cuja arte pessoal vem
deixando saudades. Em Bangu e no mundo.